quarta-feira, 7 de abril de 2010



VIDA E MORTE
Vicente Cascione

“Só uma vez fiquei mudo. Foi quando um homem me perguntou: Quem é você ?”

Esta é a confissão do poeta Gibran Khalil Gibran, que com o grito de seus versos despertou pensamentos adormecidos em minha alma que não me atende quando lhe suplico em prece profana: tenha piedade de mim.

Desde o mais longínquo instante que minha memória alcança, tenho vasculhado, em vão, os guardados de minha vida.

Nada me dá a certeza de mim mesmo, ainda que eu me reconheça em fotos e vídeos, numa singela versão virtual diante da qual até os mais desatentos proclamam tratar-se de minha própria imagem.

A causa do distanciamento entre o que fui, e o que sou, não é a passagem dos anos. A metamorfose do corpo, desde a escultura original da mocidade até os despojos derradeiros, pode alterar somente os traços de minha tosca figura humana, mas não está aí a essência do homem.

O que eu sou, é um segredo que não consegui jamais desvendar, embora o revelem, levianamente, as ciganas de prontidão, e os veredictos de egrégios botequins.

Talvez eu seja o rosto oculto por trás do espelho, em cuja face visível, aparece apenas uma imagem refletida, diante da qual, quem vê cara não vê coração.

Caminhei pelos espaços da vida onde deixei as pegadas de meus passos tortuosos, a marca de minhas quedas, os vestígios rubros de meu sangue, o rastro ausente em trechos da travessia onde abri minhas asas e voei longe e perto, em círculos rasantes ou na amplitude de um céu infinito.

Segui o brilho das estrelas para não me perder nos recônditos da noite. Ceguei-me ao fitar o sol, e errei o rumo, enquanto os que olhavam para o chão eram conduzidos por jorros de luz.

Em cada fragmento de vida, deixei minhas impressões digitais, o eco de minha voz, as feridas de meus punhais, a bênção de minhas penas, o suor de meu corpo, cada pérola translúcida de minhas lágrimas, o mistério de meus silêncios, os traços ressequidos de minha indiferença, as cicatrizes de meus instintos.

Escrevi palavras possíveis para exaurir laudas e páginas deixadas em branco, testamento de minhas certezas e dúvidas.

Naveguei nos mares rasos e nos insondáveis oceanos, e morri na praia de ondas mansas e raras, para ressuscitar no milagre revolto dos tsunamis cotidianos.

Adormeci no berço de cordilheiras abruptas, e atravessei noites de insônia, desperto pelo silêncio da lua, e das constelações.

Fugi do tempo, perseguidor incansável e paciente, e prossegui sem olhar para trás, até inevitável momento de meu último cansaço.

Fiz o que fiz, sem conhecer se meu esforço imenso destinou-se a edificar ou a destruir, na efêmera viagem pela vida.

Nunca saberei quem eu fui, nem jamais me reencontrarei, nem haverei de reconhecer meu rosto, minha voz, meu sorriso bom, e minhas mãos, que ficaram inertes na velha fotografia dos meus oito anos, antes dos meus múltiplos assassinatos, em que matei, e em que morri.

Escrito em 31/01/10

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"Inteligência não é mérito pessoal. O mérito é você usar a inteligência como tem que ser usada.”

O ex-deputado federal (PTB), advogado, professor e jornalista Vicente Cascione não tem apenas inteligência, mas também sabe utilizá-la. Com notável competência, abdicou do sonho de ser médico e iniciou sua vida no Direito, enfrentando dificuldades e
despertando inveja nos adversários

Vicente Cascione é um apaixonado pela área de humanas e não sabe dizer qual de suas paixões é a maior: o Jornalismo, o Direito ou o Magistério.

Pesquisa

Texto: http://cascione.blog.uol.com.br/

Biografia: http://terceirotempo.ig.com.br/quefimlevou_interna.php?id=1102&sessao=f

Entrevista: http://www.jornalvicentino.com.br/home/2006/06/28/vicente-fernandes-cascione/

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